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O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

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O Vexilóide de Alexandre Magno

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Marrupa 68: foi assim que ele me olhou


Na rota do meu amigo Apolo com o vexilóide de Alexandre Magno e o mreu Leopardo


Em áfrica, tudo é grande e belo. Podem ver aqui o meu menu africano



Um PV2. Havia destes no Niassa, em operação. Bom dia Tigres onde quer que estejam


Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!

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03.09.11

Francisco Daniel Roxo ...


Quico e Ventor

... um combatente!

 

 
Francisco Daniel Roxo - Comandante das Milícias, em Vila Cabral, no Distrito do Niassa
 
Nas minhas caminhadas por Marrupa, no ano de 1968, comecei a ouvir falar deste homem e das várias histórias que se contavam dele. Acredito que, a sua vida de caçador ou a sua inocência de homem simples, o tornassem num temerário. Afinal, isso entranha-se em nós, quando caminhamos no mato e, mais ainda, quando estamos preparados para tudo, até para morrer.
 
Não sei se alguém sabe como vivemos a vida quando estamos preparados para morrer. Eu já passei por isso e não é por acaso que caminhava quilómetros sozinho nos matos de África, especialmente, em Marrupa, e também em Vila Cabral, sem pensar no amanhã! Hoje, não o faria! Isto era no tempo em que o medo não existia no meu cérebro. Posso acreditar que alguns de vós tenha passado por isso pois, certamente, eu não serei excepção a esse estado de espírito.
 
Nem eu, nem o Daniel Roxo!
Eu sei que ele não tinha medo. Ele dizia que hoje era hoje e, o amanhã, logo se via. Era assim que eu pensava. Tal e qual! Mas depois da minha passagem de 8 meses e meio por Marrupa e pelos seus matos envolventes ao AM62, quantas vezes só, com os rafeiros, amigos a valer, em caminhadas sem fim, algumas vezes perdido de noite, em busca de verylights que me indicassem o caminho para o Aeródromo e, quantas vezes, sem bússola nem verylights, dava sempre com a porta! Ainda hoje, quando penso nisso, parece-me que até cheiro o mato. Aquele cheiro a bravo, nesse mato selvagem. Uma vez matei um bicho sobre uma árvore, quando descia uma lângua a oeste de Marrupa e, no regresso, a pestilência, a bichos bravos, era enorme. Os cães, quatro com a cachorrinha Diana (filha da Leoa de Vila Cabral) que, tanto gostava de ir comigo que andava quase sempre com ela ao colo.
Quando cheguei ao local, já só havia restos de pelo do bicho e o medo dos cães era enorme! Parei, na margem direita da lângua e fui mudando os cartuchos, na Browning, para caça grossa. Os cães pisavam-me os tornozelos e quase não me podia mexer. Limitei-me a ficar ali, durante algum tempo, recuando uns metros até à árvore mais próxima, sempre a olhar o capim intenso à minha frente. Os cães continuavam enroscados em volta das minhas pernas a ganir e eu não tirava os olhos da zona do capim e das árvores a seguir, para onde eles olhavam e do pelo do Zorba, todo eriçado sobre o lombo.
 
Dei tempo ao animal ou animais que cheiravam a bravo, ali perto e assustavam os cães, para se decidirem a tomar a iniciativa. O chumbo grosso estava ali à espera deles. Mas nada. Por fim, decidi eu. Bummm! Meti outro cartucho! Observei tudo à minha volta e nada! Decidi pôr-me a caminho. O tiro pareceu-me algo de extraordinário. Não vi mexer o capim, não vi nada fugir. Os cães amainaram e, lentamente foram-se afastando das minhas pernas. A Diana pediu-me colo e eu disse-lhe que não. Tinha de fazer um esforcinho e eu olhar para trás e para os lados para defender o meu pelo e o deles. Nunca mais houve problemas até ao AM62. Tive receio durante algum tempo de que as coisas nos corressem mal para mim e para os cães mas, não havia vaga para guardar os medos. Concluí que os animais tinham lá estado e se afastaram à minha aproximação. No dia seguinte, lá estávamos outra vez, e sós!
 
Recordando os meus receios ou medos, recordo também, como viveria a cabeça do Daniel Roxo com os seus medos do dia. Vou contar-vos o único medo em que o cacei!
Um dia, lá cheguei eu a Vila Cabral, nos princípios de Julho de 1969. Quis logo conhecer a cidade e lá fomos quatro marmanjos com esse objectivo. Vimos aquela represa, lá em baixo, entre os pinheiros e iniciamos uma caminhada até lá. Chegamos junto da água, reparamos nas suas margens e, como o tempo apertava, decidimos voltar ao AM61. Mal iniciamos a subida da picada, já um pouco afastados da represa, ouvimos tiros e as balas a zunir junto dos ouvidos e a baterem no chão, junto de nós. Não tínhamos uma única arma e ficamos ali, de rojos e ainda vi uma bala levantar o pó, bem junto da minha cabeça! O fogo calou-se e nós reiniciamos a caminhada. Pelo caminho pensei que, se quisessem matar-nos, já o teriam feito. Não ouvimos nem mais um tiro!
 
Chegamos à Pista de Vila Cabral, a malta cheia de sede, dirigiu-se para o Bar. Eu aguardei uma viatura tipo militar, um jipe a alta velocidade, direita a mim, e um tipo espavorido a saltar dele.
«Vocês souberam o que fizeram? Vocês sabiam o risco que corriam e foram para uma zona de reserva onde não se pode entrar sem a minha autorização? Eu espeto-lhe um murro nesses cornos que dou cabo de si»! Eu, estupefacto, vejo aquele gajo fardado à militar com o punho no ar, a ameaçar-me e, ... "calma aí amigo, explique-se melhor que não estou a perceber nada»! «Não está? ...Eu sou transmontano», ... eu faço, eu aconteço, eu, ... "Olhe, sabe um coisa? O senhor é transmontano, eu sou minhoto e parte-me os cornos uma merda! Não sei quem o senhor é, e estou-me nas tintas para o seu camuflado. Para me dar um murro nos cornos é preciso que eu deixe ou julga que vou ficar aqui à espera, de braços cruzados"?!
 
A partir dali, acabou a nossa guerra a dois. Explicou-me toda a engrenagem e que, as suas milícias podiam ter-nos morto enquanto treinavam situações de fogo e que tivemos sorte por o comandante do grupo de atiradores ter-se apercebido da nossa presença e terem cessado o fogo. Não fosse isso e saíamos de lá como passadores!
A partir desse desentendimento, fomos beber uma bazuca e ficamos amigos mas, nunca mais me esqueci do Daniel Roxo. Ele é o tal homem que tinha entrado no café Planalto e pediu uma cerveja. Bebeu o primeiro gole de cerveja, ouviu tiros, algures junto da cidade, pousou a garrafa e disse para o gajo do balcão: «guarda-me aí a garrafa que ainda venho beber a cerveja fria" e, lá partiu no jipe à procura dos tiros!
 
Outra peripécia do Roxo foi num voo de Revis, numa DO-27, bem perto de Vila Cabral. A nossa DO-27, o Roxo e o Comandante de Operações do Sector Alpha, um Major porreiro! Eu estava de serviço e, de repente, só ouvia o Roxo a mandar vir com o avião e com a FAP. «A Força Aérea não presta, manda para aqui esta merda desarmada. Nem uma G-3! Assim não podemos fazer nada. Mas que porra! O piloto do DO transmitia-me tudo e perguntou-me se os T-6 podiam actuar. Chamei o Comandante do AM, aviões para o ar e zás! Combinamos um nível de voo para a Do, de maneira a que os T-6 entrassem ao ataque por baixo. O Roxo transfigurou-se quando viu os T-6 lançar os rocketes a atacar forte e feio as posições dos nossos amigos de estimação. Quando regressaram, saiu da DO-27, correu para mim a abraçar-me e só dava louvores à Força Aérea. Foi uma mudança radical. Creio que quem comandou esse ataque foi o Ícaro. O Roxo correu para o Jipe, voltou-se para nós e disse: «Agora vai ser comigo»!

 

 
Tantos anos já passaram - 42 anos! Cuidado com a cegonha!!!! Foram danças como esta, as mais lindas que fiz até hoje
 
Tenho outras situações em que o Roxo era mencionado em locais que nem lá estava. Uma vez o Comandante do Sector Alpha disse ao Capitão que partiu com a sua companhia em socorro da Força Aérea, cerca da meia-noite, nas vésperas do natal de 1969, que esse ataque era das milícias do Roxo e eu que sabia onde andava o Roxo, nessa altura, tirei o telefone das mãos desse capitão e fui eu que fiz a guerra com esse Comandante que, afinal só temia o medo dos civis de Vila Cabral e ficou com uma vontade de me triturar mas não passou disso. Tenho isso mais desenvolvido por aí, num post, e tenho ainda nos ouvidos, as vozes das mulheres de Vila Cabral a pedirem-me, pelo telefone, para resistirmos que iríamos ter um Natal cheio do melhor bolo rei do mundo. Giro, não é? Não foi por falta de vontade que o bolo rei não veio a ser o melhor do mundo!
 
Mas, anos depois, voltei a saber do Roxo mais uma vez! Quando passava numa Av. de Lisboa, vi um jornal e, em toda ou quase toda a 1ª página, estava escrita uma frase: «adeus Comandante» e vinha lá uma foto como essa.
Era um jornal reaccionário ou até super, que se chamava Rua. Mas eu comprei-o! Foi assim que tive conhecimento da morte do Francisco Daniel Roxo. Tive conhecimento, através desse jornal, da sua morte e tive uma guerra com os meus amigos comunistas e da extrema esquerda que, então, pululavam na minha empresa. Felizmente, tinha tanto medo deles como tinha então das hienas de Marrupa e de Nova Freixo.
E, em resumo, para aqueles que não sabem, dizia o jornal que o Daniel Roxo morreu numa escaramuça entre a Frelimo e a Renamo e, também, segundo o jornal, o homem que se dizia imune às bazukas, foi trucidado por uma.
 
Este post destina-se a recordar um homem de quem muitos não gostaram mas, que eu vejo, apenas, como mais um dos nossos parceiros de tempos conturbados na nossa caminhada africana. Deixo-lhe aqui a minha homenagem.
 
PS. Posteriormente, vim a saber que o Francisco Daniel Roxo morreu no sul de Angola, em combate contra cubanos e o MPLA, conforme os comentários a este foto e no Blog - Rio dos Bons Sinais.



O Ventor e a sua amiga cegonha, 1969, em Vila Cabral

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