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O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

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O Vexilóide de Alexandre Magno

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Marrupa 68: foi assim que ele me olhou


Na rota do meu amigo Apolo com o vexilóide de Alexandre Magno e o mreu Leopardo


Em áfrica, tudo é grande e belo. Podem ver aqui o meu menu africano



Um PV2. Havia destes no Niassa, em operação. Bom dia Tigres onde quer que estejam


Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!

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Ventor entre as Flores

12.03.05

Quatro dias em Nacala


Quico e Ventor

Após a passagem baixa, primeiro do Nord-Atlas e pouco depois do T-6, sobre o navio Niassa, continuamos a aguardar que o Niassa fosse seguro pelos molhes e, entretanto, continuamos na brincadeira com as "ondas" de camarões que, vindos do fundo da baía Fernão Veloso, se lançavam sobre os bocados de pão que a tropa ia lançando à água. Aquilo era um presságio da fartura dos mariscos que alguns iriam comer, nos próximos dois anos da sua estadia por Moçambique.

Depois lá vieram os transportes para os pára-quedistas do BCP 32 e para nós os técnicos especialistas da Força Aérea que iríamos largar o Niassa por tempo que não fazíamos ideia mas, pelo menos, por dois anos.

Mais uma observação ao Porto de Nacala e lá nos dirigimos ao AB5, Aeródromo Base 5, instalado, podemos assim dizer, cercado de cajueiros. Era Janeiro, se não falhar na memória de tantos anos, 25 de Janeiro de 1968.

Mapa da área de Moçambique que vai de Nacala a Vila Cabral (actual Lichinga), com passagem por Nampula e Nova Freixo (actual Cuamba). Nessa caminhada, de 31 de Janeiro de 1968, a viagem foi de Automotora, entre Nacala e Nova Freixo. Foto tirada da Wikipédia de autoria de André Koehne. A utilização deste ficheiro é regulada nos termos da licença Creative Commons - Atribuição - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada

O calor já escaldava e fomos ao bar beber umas cervejas Mac-Mahon, a cerveja da garrafa verde e, de seguida, dirigimos-nos para junto do T-6 baleado que passou sobre o Niassa saudando os seus ocupantes. Lá estavam os buraquinhos das balas "turras" a dar-nos uma achega para o combate que se avizinhava. Mas ali e durante quatro dias estávamos em paz.

No dia seguinte, como não tínhamos que fazer, quatro malandrecos, resolvemos ir visitar as belas e famosas praias de Nacala. Estava calor e era preciso descobrir o caminho para a praia por entre matos e cajueiros. Um pretinho, puto com cerca de sete anos que andava infiltrado nos meandros da Força Aérea de Nacala, correu para mim e disse-me que sabia o caminho para a praia. Acreditei nele e aceitamos a oferta. Durante quatro dias ele foi nosso companheiro de caminhadas entre o AB5 e a praia, por trilhos de cajueiros e por entre passarada linda que eu nem sonhava que existisse. Para mim, dos mais lindos eram pretos e vermelhos e ainda hoje não sei o nome deles mas tentarei investigar. No seu seio, apareceu, sobre os cajueiros peneirando, um dos meus amigos falcões peneireiros, semelhante aos que me tinham acompanhado por Adrão, há mais de sete anos atrás.

Nunca fui amigo de praias e, além da Costa da Caparica, onde em 1961, conheci o mar pela primeira vez, a praia de Nacala também contribuiu para isso. Apanhei um escaldão que nunca mais esqueci. Todos os dias vinha uma chuvada e eu abusava dessa chuveirada dentro da água do mar, na zona baixa onde os tubarões não conseguiam penetrar. Naquela extensão de águas baixas, não havia tubarão que se aproximasse sem nós os avistarmos mas, quando caiam aquelas bátegas de água, toda a nossa visão era desfeita pelas covinhas originadas pelos grossos pingos da chuva a penetrar na água serena do mar.

Praia de Nacala, foto de Stig Nygaard, tirada da Wikipédia. This file is licensed under the Creative Commons Attribution 2.0 Genericlicense.

Um dia, o último dos quatro, na esperança de fugir ao escaldão, sentei-me fora da areia numas rochas junto de uma falésia, à sombra da falésia e das árvores frondosas que cresciam sobre ela. Na areia caminhavam o pretinho, os meus 3 amigos e três cães rafeiros da base que nunca nos largaram. Onde eu estiver e houver cães, andam sempre comigo. Os sete, caminhavam pela areia da praia, da minha frente para a minha esquerda e, já um pouco afastados à esquerda, quando voou das árvores da falésia, sobre a minha cabeça, vindo de alguns 10-15 metros de altura ou mais, aterrando na areia à minha frente, dirijindo-se para a água da baía, deixando um sulco na areia da praia, onde parecia que tinha passado um arado, como os de Adrão, na veiga, no mês de Maio. Aos meus gritos, os cães ainda o tentaram perseguir até à água mas, junto dela, terão pensado que ali era o mundo do animal e desistiram da tentativa. Dizia eu que era um grande lagarto verde ou se calhar, um jacaré pequeno.

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Iguana - Semelhante à minha iguana de Nacala

Mais tarde, nas minhas pesquisas, vim a saber que havia iguanas no Índico e, teoricamente, estava encontrado o animal que me voou sobre a cabeça, numa praia de Nacala. A "fotografia no meu cérebro" foi de tal ordem que ainda hoje vejo as rochas treparem pela falésia acima, as árvores e a provável iguana que vi da minha vertical até à água do mar. Ela fez um grande barulho ao saltar do meio das árvores que eu virei a cabeça e apanhei-a lá em cima, a alguns 10-15 metros da minha cabeça num autêntico voo rumo ao mar. Passou toda aquela zona de pedras onde eu me encontrava e aterrou em plena areia atravessando a areia da praia a grande velocidade.

Depois da grande chuvada e do respectivo duche, iniciamos a subida até ao AB5 e dirigi-me, mais uma vez, à Enfermaria para me tratarem da minha pele rosadinha a tostada, fazendo lembrar as cascas das bananas bravas que vim a conhecer mais tarde nas caçadas do Niassa.

Quando saí da Enfermaria fui caçado para me entregarem a Guia de Marcha para Nova Freixo e receber instruções para ir receber as rações de combate para a viagem de comboio, no dia seguinte, que seria cerca de 15-18 horas. Resolvi ficar-me nas tintas para as rações de combate pois, em tantas estações e pseudo-estações, sempre haveria de arranjar algo para comer, pensava eu.

É linda a gente de Moçambique. Em Moçambique, eu sentia-me no meio das minhas gentes. Uma foto de Steve Evans, tirada da Wikipédia. This file is licensed under the Creative Commons Attribution 2.0 Genericlicense.

Mas Nacala não fora só praia! O Nord-Atlas que chegara de Mueda (Terra da Guerra) e sobrevoara o navio Niassa tinha transportado de Mueda para Nacala, alguns "rufiões" da nossa gente, armados em heróis de "combates" sem fim que, durante a nossa estadia por ali, foram autênticos companheiros de jornada, cantando Mueda, Terra da Guerra ... e armando umas escaramuças com representantes demonstradores de fotos da Sofia Loren, um e da Gina Lollobrigida, outro. As fotos destas belas mulheres eram a flor do hibisco para os incautos a que a malta de Nacala renomeara de Sofia e Fedra. A "Sofia" e a "Fedra", abriam as portas dos armários forradas com as belas fotos daquelas estrelas do cinema. Técnicas! Técnicas que os sisudos e duros chegados de Mueda não gostaram e causaram alguns alvoroços. Mas enfim, na guerra há de tudo.

Chegara pois o momento de reiniciar mais uma caminhada na sondagem de outros mundos novos que se seguirá com essa célebre viagem Nacala-Nova Freixo. Iríamos caminhar no coração das gentes macuas.

Monte Muresse no Gurué. Caminhando na auto-motora, desde Nacala até à velha Nova Freixo (actual Cuamba) as belezas eram enormes, como esta do Gurué

Antes: Quatro Dias em Nacala

A seguir: 




O Ventor e a sua amiga cegonha, 1969, em Vila Cabral