O Escorpião
Fez anos uns dias atrás, no mês de Julho de 1968, exactamente há 50 anos - meio século!
Eu tinha chegado a Marrupa três meses atrás e planeavam-se umas boas operações sobre o rio Lugenda e seus arredores. O então capitão piloto aviador, Mantovani, deslocou-se a Marrupa para serem planeadas as ditas cujas e acabou por dormir lá, não regressando no mesmo dia a Nova Freixo. Senta-mo-nos em frente à janela do posto de rádio, numas cadeiras e tínhamos as pernas por cima da regueira que apanhava as águas residuais das chuvas e as pingueiras que viriam do telhado do edifício. Porém, o dia estava lindo e nós falávamos sobre assuntos diversos e, na ordem do dia estava a hipótese de sofrermos um eventual ataque à morteirada.
Enfim, conversas diversas sobre a guerra, os «turras», a eventualidade de mais um operador de comunicações para nos ajudar durante esses 15 dias de operações e outras banalidades.
De repente passa por baixo das nossas pernas, vindo da minha esquerda, na tal "vala" das águas, um escorpião negro como esse em baixo.
Um escorpião negro
Quando olho o escorpião todo despachadinho, disse: o meu inimigo anda por aqui e bem dentro do arame farpado, assim como este, as mambas, as melgas, etç. Mas esses não usam morteiros! O capitão Mantovani, levantou a perna, já o escorpião tinha passado por mim e ia-lhe espetar com o tacão em cima. «Não o mate, deixe-o ir à vida dele»!
Ele ficou com a perna no ar a olhar o escorpião e disse: "metem respeito estes gajos"! Não é que não o matou! Levantei-me, peguei no escorpião com um ramo seco, fui em direcção do nosso bar, o Calhambeque, cheguei ao arame farpado e mandei o escorpião lá para fora.
Escorpião predominante em Marrupa
Quando voltei para junto dele, disse-me: "gabo-lhe a paciência, salvar o escorpião". Salvamos - disse eu! Era extraordinário aquele homem. Se fosse outro, nem que fosse só para me chatear, teria, só com um golpe, esmagado o escorpião mas não o fez. Por isso, e muito mais, ele continua vivo no meu coração.