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O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

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O Vexilóide de Alexandre Magno

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Marrupa 68: foi assim que ele me olhou


Na rota do meu amigo Apolo com o vexilóide de Alexandre Magno e o mreu Leopardo


Em áfrica, tudo é grande e belo. Podem ver aqui o meu menu africano



Um PV2. Havia destes no Niassa, em operação. Bom dia Tigres onde quer que estejam


Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!

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Ventor entre as Flores

15.10.14

Sonhos, Versos Realidade


Quico e Ventor

Penso, penso, penso e acabo por sonhar.

Tenho vários posts do Blog "Ventor em África", sem as certezas totais e penso sempre, limpar o meu sótão para ver se o disco rígido funciona perto dos 100%. Mas não consigo.

Quem estava comigo, quem não estava comigo. Sei lá! Já contei aqui duas "histórias" da minha caminhada africana, onde não consigo recordar os meus companheiros de caminhada. São duas histórias independentes mas que se deram na mesma caçada, durante uma tarde.

Na primeira dessas duas, trata-se do meu encontro com um leopardo e na segunda, o meu encontro com um grande facochero. Tudo bem menos identificar os meus companheiros de caminhada. Não havia muitos que quisessem ir comigo à caça, nem em Marrupa, nem em Vila Cabral e, quando isso acontecia as suas imagens dispersaram-se pelo futuro do nosso "out of Africa", tal como eles.

Em Marrupa, o primeiro que foi comigo à caça foi o Maniés. Como não conhecíamos aquilo, fomos os dois, cada um com uma G-3. Azar dos azares, nem eu nem o Maniés, durante os treinos na Ota, tínhamos visto uma G-3 e, em Marrupa, quando colocamos os carregadores foi com toda a meiguice deste mundo. Não caíram por sorte! Para experimentarmos as G-3, preparamos-nos para dar uns tiritos. A bala não entrava na câmara, tirávamos e voltávamos a meter os carregadores e nada. O Maniés, enervado, chateou-se com aquilo, "zás, catrapás, pumba"! Ia-me dando um tiro num pé. Foi a um dedo da sola da bota. Foi assim que ele e eu aprendemos a mexer na G-3. Ele nunca mais quis ir comigo à caça por isso ou porque nunca mais se proporcionou. Depois veio-se embora e eu fiquei em Marrupa.

Um belo leopardo: foto tirada da wikipédia Attribution-ShareAlike 3.0 Unported (CC BY-SA 3.0) ; obra de Rute Martins of Leoa's Photography

Depois foi um açoriano a que chamávamos "porta-aviões". Só foi uma vez, ele de um lado da lângua e eu do outro. Por fim eu estava lá em cascos de rolhas com os cães e ele, só, cá atrás, a gritar por mim. Não gostou da caminhada, ficou desorientado e disse-me que nunca mais iria comigo à caça. Creio que nunca mais foi, nem comigo, nem com ninguém.

Depois, ou ia sozinho, ou com o Melo, ou com o Coutinho, ou à noite, com um chaimite, eu, o Melo, o Coutinho e um Alferes algarvio, dos Comandos, destacado, em Marrupa. Eu, salvo raras excepções, continuava as minhas caminhadas só, utilizando o lema de "mais vale só do que mal acompanhado". Era assim que eu dizia aos que se recusavam.

Mas nessa tarde, eu e mais três saímos do Aeródromo e descemos pelo lado esquerdo da pista para o mato. O objectivo era uma espécie de perdizes diferentes das nossas, que fugiam do chão, onde se alimentavam, para as árvores e depois, de árvore em árvore. Levávamos duas caçadeiras Browning, semiautomáticas, de cinco tiros, eu levava uma, um outro levava a outra e, os outros dois, levavam G-3. Espalhamos-nos, indo eu na ponta esquerda, mais próximo do vale onde fui topar com o leopardo. Nesse local, tempos atrás, ali perto, quis ver um chango fugir e mandei um tiro para o ar com a G-3 e, imediatamente, fui corrido à pedrada por macacos tão assustados que não me largavam.  Eu, acompanhado pelos cães, fui-me desviando, sempre com a G-3 apontada a um dos mais próximos e só parei na picada de Marrupa. Seriam cerca de 18 macacos. Quando se aproximaram da picada desistiram e deixaram de tentar apanhar pedras, onde também não havia muitas. Acabaram por fugir, infiltrando-se mato dentro. Creio ter sido essa a minha sorte. Pouco faltou para eu tentar matar os macacos que fosse possível. Mas não dei nem um tiro além daquele que tinha servido, antes, para espantar o chango.

No resumo dessa tarde, eu e o leopardo encontramos-nos e observamos-nos, olhos nos olhos, ele lá em baixo e eu cá em cima, a uma distância muito curta. Ele pensava no que ia fazer e eu pensava em trocar os cartuxos com chumbo para perdizes por zégalotes para caça grossa. Há um momento em que o leopardo esteve à mercê de um belo tiro mas eu é que era o intrometido e tinha por finalidade observa-lo enquanto ele mo permitisse. Achei que nunca mais estaria frente a frente com uma beleza daquelas e, quando os vejo no zoo, não passam de uma banalidade.

 Um facochero, foto tirada da Wikipédia, da autoria de Sanjay Ach, Attribution-ShareAlike 3.0 Unported (CC BY-SA 3.0)  

No regresso, voltamos pelo mesmo caminho que tínhamos levado. Eu deixei de caminhar na ponta esquerda e passei a caminhar na ponta direita, sempre com o vale à vista. A paz e a serenidade com que ficamos frente a frente, eu e o leopardo, não tinha nada a ver com que se passou já relativamente perto do Aeródromo com o facochero. Ele disparou como um bólide da minha esquerda e tentou atropelar-me ou terá sido pura coincidência, não sei. O mato era alto e, se calhar, o bicho nem me viu. Sei que eu dei um grande salto e ele passou-me por baixo das pernas. Só sei que saí ileso daquilo tudo e só vi que era um facochero quando tive oportunidade de lhe dar o tiro. Mais tarde vi que era bem grande.

Mas onde está o sonho no meio desta realidade toda?

Tanto tenho pensado nisto que acabei por sonhar. Logo a seguir ao meu tiro sobre o facochero, a malta corre para mim descendo a encosta. Sonhei com esse local, no momento do facochero e, nos três vultos que me observavam e me interrogavam pelo motivo do tiro, só identifiquei um, tal como ele era. O nosso grande amigo Coutinho. Creio que ele quis-me tirar esta dúvida e mostrou-se em sonhos, sorrindo, como sempre fazia.

Acredito ele ser um dos outros três. Fomos várias vezes juntos. Mas, e os outros dois? Um podia ter sido o Louco do Amor, o outro o Melo, os que mais costumavam andar comigo. Como dizem os brasileiros, "sei não"! Vou continuar assim.




O Ventor e a sua amiga cegonha, 1969, em Vila Cabral