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O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

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O Vexilóide de Alexandre Magno

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Marrupa 68: foi assim que ele me olhou


Na rota do meu amigo Apolo com o vexilóide de Alexandre Magno e o mreu Leopardo


Em áfrica, tudo é grande e belo. Podem ver aqui o meu menu africano



Um PV2. Havia destes no Niassa, em operação. Bom dia Tigres onde quer que estejam


Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!

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Ventor entre as Flores

20.12.11

Bom Natal para Todos do AB6


Quico e Ventor

Áfriica!

O continente onde centenas de milhares de portugueses deixaram de sonhar e muitos milhares deles sonhavam com as aldeias graníticas de onde foram obrigados a partir, para os defender, segundo diziam, então!

Seja como fôr, foram realidades passadas por uns e por outros. Eu, como todos já sabemos, fui um dos outros! Dos socorristas! Um dia, com 17 anos, vaticinava eu, que teria chegado a hora de dar o meu salto para França. Já tinha alguém que me emprestaria o dinheiro no momento que eu quisesse. Um homem que nunca conheci bem e que tenho pena não ter podido conhecer melhor. Nunca mais o voltei a ver!

 
Palácio Foz

Mas um dia, caminhava eu pela Av. da Liberdade, em Lisboa, rumo aos Restauradores e, encontrei junto de uma porta, um grupo de pessoas preparadas para entrarem no belo Palácio Foz. Foi ali que fiquei! Perguntei onde era a bilheteira e disseram-me que a entrada era livre. Foi ali que eu comecei a ver o que era a África e fiquei a conhecer dois anos de guerra, em fotografias, passados, em Angola.

Conheci os terrores dos assaltos às fazendas do Norte de Angola. Assisti a pessoas trucidadas, brancas e pretas. Para estas serem motiladas, bastava que se deixassem ficar ao lado dos seus patrões. Era o passaporte para o inferno ao lado deles. Isso transtornou a minha alma!

Ontem, voltei ao Palácio Foz, assistir a um sarau de artistas de amanhã e recordei esses tempos!

No Natal de 1967, já caminhava eu pelas ruas de Lisboa, com os olhos em Moçambique. Já tinha Guia de Marcha, sobre uma secretária dos Recursos Humanos da Região Aérea Nº 1, para me ser entregue e dar início, no dia 04 de Janeiro de 1968, àquela parte da minha caminhada africana, onde, rumando no Niassa sobre as águas do Atlântico, tive a companhia dos mais belos companheiros que alguma vez podemos imaginar. Sempre à direita do navio Niassa, saíam do fundo das Águas, aquelas maravilhas saltando em arco - os Golfinhos. Do marejar das águas vinha o som por eles proferido: "salve, Ventor"!

Caminhando no Youtube, encontrei este vídeo, um exemplo das muitas mensagens de Natal que a nossa tropa dirigia pelos natais, às suas gentes. Porém este é especial! Encontrei aqui, entre outros, dois homens que fizemos parte do mesmo combate. Os pilotos aviadores, Alferes Relevo e o Furriel Brochado.

Natal de 1967, em Vila Cabral, e Mueda

Caminhava eu por Lisboa, enviavam eles mensagens para a sua família, por aqui e, no ano seguinte, estávamos juntos nas belas terras do Niassa, caminhando nos trilhos do perigo.

O Furriel Brochado e eu, estivemos em apuros na pista do AB6, num dia que o Comandante Araújo, me obrigou a ir de Marrupa para Nova Freixo para ser assistido pelo médico do batalhão de Nova Freixo ou seguir para o Hospital de Nampula. Levei algum tempo a fazer as malas, duas, uma cheia de livros e, no momento da aterragem já se tornara tarde. O Tenente Coronel Araújo foi com o Jipe para a pista tentando iluminá-la com os faróis e nós só víamos a linha branca ao correr da pista. Ela estaria na ponta do nariz ou nos precipícios do Inferno mas, estava lá. Quando a DO bateu com os pneus na pista nós voltamos a escalar o céu e perdemos tudo o que tínhamos. Ficamos penugens pairando na aragem. O Jipe vinha atrás de nós, um pouco ao lado, tentando iluminar a pista e nós no bate e sobe. Eu olhei para trás e só via o nosso Comandante com as mãos na cabeça. Penso que ele chegou a acreditar que estávamos nas mãos de Deus. 

Um bom Natal meu grande amigo Brochado! Espero que essa seja a vontade de Deus.

O Alferes Relevo, ainda o voltei a ver no Aeroporto de Lisboa. Caminhava eu à procura de portugueses que pudessem dar uma ajuda à minha mãe, no avião, na sua primeira viagem para os Estados Unidos. Vejo dois pilotos da TAP, a entrarem numa porta que se fechava. Conheci a cara de um mas, não recordava o nome dele. Lancei a escada à Guerra e gritei, no momento em que a porta se fechava: "Ícaro, Fox Oito Fox". A porta voltou-se a abrir e de dentro saía uma cara que eu sabia ser amiga: "não me digas que vou ser eu a levar-te para a América"! «Talvez um dia mas, hoje, não»!

«Queria ver se me indicavas uma Hospedeira do Voo "X" para os Estados Unidos, para dar uma ajuda à minha mãe, ela é que vai»!

"Sou eu o Comandante desse voo. Dá-me o nome dela e está entregue"!

A minha mãe, lá foi acompanhada de uns portugueses que viajavam da Austrália para os Estados Unidos e sentia-se bem com eles. Quando o meu amigo a foi buscar para a levar para o Cockpit e ir junta com eles, observando bem o Atlântico e ver bem o impacto da chegada a Nova Iorque, ela recusou-se!

"Venha comigo minha senhora, eu e o seu filho somos amigos, estivemos juntos na guerra, somos como irmãos. Venha connosco no Cockpit. Lá é muito melhor"!

«Não meu senhor, eu daqui não saio. Não quero copito nenhum»!

Obrigado meus amigos.

Para todos vós um BOM NATAL e um abraço do Fox.

Mas todos teremos passado dois Natais em África. Eu passei o Natal de 1968, o ano da chegada, em Nova Freixo, no AB6. Vim de Marrupa para Nova Freixo e nem me recordo porquê. Podia estar mais tempo em Marrupa e ter passado lá o Natal mas, isso não aconteceu. Creio que não me lembrei do Natal e, como tinha os olhos, em Vila Cabral, apanhei o Nord-Atlas e desci até Nova Freixo.

Em 1969, passei o Natal em Vila Cabral. Este eu nunca vou esquecer! Faz parte das minhas entranhas!

Para aqueles que andam por aqui, todos, como dizem, abesseistas, um Bom Natal, Um Natal cheio de tudo bom, especialmente, saúde.




O Ventor e a sua amiga cegonha, 1969, em Vila Cabral

07.12.11

General, Melo Egídio ...


Quico e Ventor

... o Governador. O governador do distrito do Niassa, no norte de Moçambique e o Governador Geral de Macau, mais tarde.

Um dia cheguei a Moçambique, segui o rumo e tudo correu como eu queria. Fui parar ao Niassa, Nova Freixo, mais precisamente, AB6 - Aeródromo Base 6. Isso aconteceu no ano de 1968 e a 31 de Janeiro, cerca da meia noite, cheguei a Nova Freixo. Dois meses, em Nova Freixo e rumei a Marrupa ("terra do Desterro", significado indígena de Marrupa) logo de seguida. Por ali, com intervalo de cerca de meio mês, estive oito meses e meio.

Foi em Marrupa que ouvi falar desse homem. Um militar que seria, na altura, Coronel - O Coronel Melo Egídio, Governador Civil do Distrito do Niassa.

Um dia, na minha caminhada por Marrupa, no Aeródromo de Manobras 62 (AM 62), de manhã cedo, estava o meu amigo "Louco da Malásia" de serviço, no Posto de Rádio e eu, dormindo! O dia acordou com uma grande trovoada sobre Marrupa. Na sequência da azáfama do dia anterior, eu dormia e, de repente, senti que o Posto de Rádio da Força Aérea iria abaixo ou ardia!

Um grupo de militares invadiu o Posto de Rádio. O burburinho deles, juntou-se à pedalada dos relâmpagos e dos trovões. Tudo aquilo se tornava insuportável. Eu, que até era bom rapaz, pelo menos fazia por isso, comecei a sentir-me chateado. Sem reparar quem estava, pedi ao meu amigo Louco da Malásia para desligar os equipamentos. Ele assim procedeu mas a pressão sobre ele era muito grande! Um grupo de militares achava que o homem não falhava e que chegaria, mesmo no meio da trovoada! No meio da balbúrdia acabei por acordar e virei-me para o outro lado. Mas a algazarra foi aumentando e eu, sem mais nem menos, metido no meio dela, sem justa causa. Pelos fios que desciam das antenas, desciam também os relâmpagos e o Posto de Rádio parecia incendiar-se.

Por fim, ouvi uma voz dirigida ao Louco da Malásia: "que está você aqui a fazer? Você não está de serviço? Ligue essa merda, senão os homens ainda morrem e nós não sabemos"! O Louco da Malásia que, também era bom rapaz, cedeu e fez a vontade aos cabeças do ar condicionado do Sector Echo, ligando os emissores e chamando Vila Cabral. Um relâmpago endiabrado penetra junto dos fios. Parecia que nos queria destruir o Posto de Rádio e eu não queria o Posto de Rádio destruído. O meu sono sumiu. Endiabrei! Levantei-me, com calma, em slipes, passei no meio dos cabeças de ouro do Sector Echo, espreitei pela janela e, ... sem mais, dirigi o dedo grande do meu pé direito, ao botão geral dos equipamentos de rádio, pressionei e disse: "só gente que não percebe nada disto, julga que um avião entra hoje, em Marrupa, enquanto as circunstâncias se mantiverem. «Chegaste a enviar a informação meteorológica para Vila Cabral»? "Sim, mas já não me chegaram a informar se o avião iria decolar". «Se descolou, quando tiver a área de Marrupa à vista, foge logo para trás».

Virei-me para o meu amigo Louco e disse: «não ligas mais esta coisa, hoje, enquanto eu não te disser, ouviste! E que está esta malta aqui a fazer? Todos lá para fora»! Era fora do Posto de Rádio, abrigados pelo telheiro, que eles deviam guardar, se as houvesse, as comunicações. Ficamos só eu e o Louco da Malásia. Por fim, mais tarde, os nossos amigos do Sector Echo, acabaram por abalar. Chegaram à conclusão que eu tinha razão e desandaram. Pensaram que o avião nunca mais chegaria, como não chegou! Seria impossível e ainda bem para todos, eles e nós!

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Soube, na sequência dessa pequena escaramuça, que o Senhor Governador Civil do Niassa, teria informado que, naquele dia, iria fazer uma visita à bela terra do DESTERRO - Marrupa!

Dias depois, fui informado pelo meu Comandante, em Nova Freixo, que havia uma queixa do Comandante do Sector Echo, enviada para Nampula, contra mim e queria saber pela minha boca o que se tinha passado. Disse-lhe que não sabia de nada, tinha de se "esmerar" para me fazer compreender o porquê, pois nunca tivera qualquer mal entendido com o comandante do Sector Echo. Então, o meu comandante lá veio com o meu aparecimento  no meio do Staff de Marrupa em "trajes menores"! Percebi tudo mas, o ataque daquele Maralhal, contra o Fox, saiu baldado. Eu apenas defendi os equipamentos contra casmurros precipitados, dos quais nem vi galões.

 
Algum tempo de felicidade, nas escaramuças da guerra, com a minha cegonha
 

Mais tarde, apareci em Vila Cabral e, podem crer, vim a conhecer o Senhor Governador Civil, Melo Egídio e, se alguém tiver dúvidas, podem crer que tivemos sempre um relacionamento exemplar. Para ele, eu era o Ok, OK, ... porque lhe resolvia alguns problemas da sua malta civil, sempre que possível, especialmente, nos transportes para o Hospital de Nampula.

Poderia falar muito sobre esses tempos do Niassa e bastante sobre esse homem que me pareceu muito querido das populações desse Distrito.

Esse homem, o Governador do Distrito do Niassa, em Moçambique, que veio a ser Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas e Governador de Macau e que, por determinação do Senhor da Esfera ou das Parcas, nos deixou hoje, merece toda a minha consideração e votos de simpatia pelo pouco tempo de convivência que tivemos no Niassa, em Vila Cabral. O sorriso dele cativava.

Deixo aqui os meus pêsames a toda a sua família, especialmente, à sua filha Paula, que melhor conheci, se é que ainda existe, neste nosso mundo, neste nosso Planeta Azul.

Que Deus o tenha a seu lado, Senhor General.




O Ventor e a sua amiga cegonha, 1969, em Vila Cabral