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O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

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O Vexilóide de Alexandre Magno

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Marrupa 68: foi assim que ele me olhou


Na rota do meu amigo Apolo com o vexilóide de Alexandre Magno e o mreu Leopardo


Em áfrica, tudo é grande e belo. Podem ver aqui o meu menu africano



Um PV2. Havia destes no Niassa, em operação. Bom dia Tigres onde quer que estejam


Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!

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Ventor entre as Flores

18.03.05

Grandes Vitórias!!!


Quico e Ventor

Tantos combates!!!

Amigos, pedi ao Ventor para me falar da guerra no Ultramar, no caso, Moçambique, e ele não deixou de me falar das suas grandes batalhas.

Depois de andarmos a rebolar pelo chão da sala e de o ouvir, atentamente, arranjei maneira de vir até aqui falar-vos desses "Tempos de Guerra".

Oiçam só!

«Pois, Quico, tempos de guerra!

Lembro-me bem dos tempos que fiz guerra a inimigos visíveis e invisíveis e foram todos os tempos em que o cheiro a pólvora era o cheiro que predominava. Os inimigos eram mais que muitos mas, quase sempre, não eram visíveis à vista desarmada, nem de dia, nem no escuro da noite. Todos eles usavam as técnicas do "bate e foge" e esperavam, pacientemente, a sua vez de caírem sobre a presa ou de bruços, no solo da terra amada, ou terra estranha, conforme os casos. Por vezes, os inimigos tinham muitas facetas, mesmo aquelas que, de repente, não são imaginadas!

Pois vou contar a história dos mais temíveis inimigos que muitos de nós (todos?), tivemos em África, no caso, por terras de Moçambique.

Quando cheguei a Nova Freixo, uma vila bastante linda e progressiva naqueles confins moçambicanos, em pleno mato, não se notavam os inimigos esperados e nós, os que por ali andávamos, estávamos instalados no Aeródromo Base 6 de apoio recuado às linhas da frente, no Distrito do Niassa, só ele, bem maior que Portugal Continental. Cantávamos por lá, mentalmente, uma espécie de canção que os americanos cantaram quando partiram para a Defesa da Europa Democrática das guerras totalitárias de umas outras gentes que eram apodadas de "bochs". - «Over there! Over there»! Isto na primeira Guerra Mundial, muitos anos antes. Ora nós também chegamos ali com o nosso "over there", na mente.

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O nosso hangar, em Nova Freixo. Ele serviu de nossos aposentos durante bastante tempo. Era lá dentro que dormíamos, homens, aviões, bombas, melgas, percevejos, pulgas, ... !

Assim era! Dali, nós partíamos sobre o grande Niassa e, no "over there" da nossa imaginação, caminharíamos direitos a perigosos "poços da morte" das zonas mais perigosas das lindas terras do Niassa! Mas, antes, tínhamos um treino! Aprender a conhecer todos os inimigos com que deparássemos. Combater as doenças, como o paludismo, aprender a viver as agruras da África negra e aprendermos, também, a respeitar todos os inimigos que, a qualquer momento, poderíamos enfrentar por aquelas paragens.

Então vou falar-te desses inimigos devastadores - melgas e percevejos!

Nas primeiras noites que chegamos a Nova Freixo e durante os dois meses que lá permaneci, até à minha partida para Marrupa, tivemos de partilhar o Hangar com os aviões e o armamento. Havia um grande Hangar com dois grandes portões corrediços por onde entravam e saíam os aviões. Lá dentro dividia-se em vários espaços. No grande espaço central a seguir aos portões, ficavam alguns aviões. Lá mais ao fundo, ficavam as nossas camaratas. À esquerda ficavam as casas de banho e outras coisas e, à direita, ficavam os serviços de manutenção e de Armamento (a «Academia Bruno» de que te falarei um dia).

Homens a um lado, aviões a outro, bombas a outro! Mais para o interior do arame farpado trabalhava-se, numa grande azáfama, na construção de novas camaratas que viriam a tornar-se em verdadeiros Sheratons para a rapaziada. Reconstruía-se ou alargava-se a cozinha, alargava-se o nosso novo e belo "restaurante", planificava-se mais um Bar, enfim, um autêntico progresso de crescimento no alargamento da ocupação militar que, à época, se julgava eterna.

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Este é um dos muitos mosquitos que é amaldiçoado neste mundo - o mosquito do Nilo (já chegou ao Algarve, lembram-se?)

Não havia tiros, mas o pior estava junto de nós. Eu e todos os outros, passamos noites inteiras à estalada nas melgas. Elas pareciam-nos autênticos Scuds a cruzarem o deserto, zzzzzzzzzzzz, picando em direcção à nossa cabeça e nós, pobres coitados, esbofeteávamos nelas e na parede. Meio a dormir, meio acordados, limitávamo-nos a dizer - toma!!!!

Eu cheguei a pensar, perante a nossa impotência que, àqueles bichos, a morte causada por uma chapada desprezível seria a nossa grande afronta a animal tão ruím! ZZZZZZZZ ... Praz!

Mas não era tudo! Havia mais. Percevejos! Já ouviste falar? Não? És um felizardo! A tua guerrinha limita-se a duas ou três pulgas que a tua amiga Tara trás cá para casa, até o Ventor dar cabo delas com uns remedinhos que inventam por aí. Nós, lá, fazíamo-lo com JP1 e C-130, combustíveis de helicópteros e de aviões.

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 Outra espécie de mosquitos

Pois! Lá vinham eles Hangar dentro, rastejando, olhando de lado, com aqueles olhos vesgos, a figura dos aviões e pensando que era por causa daquelas máquinas imponentes que, eles, reles animais dos capins, fariam grandes festins à custa do gotejar do nosso sangue!

Coça daqui, coça dali, vira e revira, pelo ar melgas, pelo chão percevejos! Como derrotar estes devassos? Remédios? Dera-os Deus! À chapada era impossível, já nos bastavam as melgas. Então que fazer? Fogo!!!! Para que raio o homem inventou o fogo?

Misturem JP1 com C-130 que dá um belo veneno para os matar! «O caraças! Eu trato-os»! Roupas e colchão fora da cama! Pá, pega nesse lado, vamos levar esta espécie de cama lá para fora. Recipiente com combustível, cama bem regada - fogo!!! "Eu também quero, eu também quero"! E assim por diante. Fogo!!!! Durante alguns dias ficávamos sem percevejos e, de quando em vez, fogo!!!! Derrotávamos parcialmente os nossos inimigos mas, por pouco tempo!

Tinha-me lembrado da Autobiografia da Raposa do Deserto - o Marechal, alemão, Romel, Comandante do África Corps que tinha lido antes. A mulher escrevia-lhe e pedia-lhe que tivesse cuidado que se constava que os ingleses cada vez se reforçavam mais e, por isso, à medida que o inimigo dele se reforçava, ele iria ter mais dificuldades, etç. etç.

E ele respondia-lhe: "querida Lu, não tenho grandes inimigos por aqui! Tenho, realmente, um inimigo terrível, bem pior do que os ingleses e muito mais difícil de enfrentar e, até me parece que nunca seremos capazes de o levar de vencida - o percevejo"!

Mais ou menos isto e dizia também que o tenente "qualquer coisa", estava a travar a maior batalha da vida dele - a luta contra os percevejos. Queria regá-los com gasolina mas ele não podia permitir porque, gasolina para si, era melhor que ouro!

Eu lembrei-me disso e verifiquei que a gasolina sem nós, não teria significado. Por isso, ou chegava para queimarmos os percevejos ou, o melhor seria pegarmos as malas de volta, rumo a casa.

Grandes vitórias, pá»!

 




O Ventor e a sua amiga cegonha, 1969, em Vila Cabral

12.03.05

Quatro dias em Nacala


Quico e Ventor

Após a passagem baixa, primeiro do Nord-Atlas e pouco depois do T-6, sobre o navio Niassa, continuamos a aguardar que o Niassa fosse seguro pelos molhes e, entretanto, continuamos na brincadeira com as "ondas" de camarões que, vindos do fundo da baía Fernão Veloso, se lançavam sobre os bocados de pão que a tropa ia lançando à água. Aquilo era um presságio da fartura dos mariscos que alguns iriam comer, nos próximos dois anos da sua estadia por Moçambique.

Depois lá vieram os transportes para os pára-quedistas do BCP 32 e para nós os técnicos especialistas da Força Aérea que iríamos largar o Niassa por tempo que não fazíamos ideia mas, pelo menos, por dois anos.

Mais uma observação ao Porto de Nacala e lá nos dirigimos ao AB5, Aeródromo Base 5, instalado, podemos assim dizer, cercado de cajueiros. Era Janeiro, se não falhar na memória de tantos anos, 25 de Janeiro de 1968.

Mapa da área de Moçambique que vai de Nacala a Vila Cabral (actual Lichinga), com passagem por Nampula e Nova Freixo (actual Cuamba). Nessa caminhada, de 31 de Janeiro de 1968, a viagem foi de Automotora, entre Nacala e Nova Freixo. Foto tirada da Wikipédia de autoria de André Koehne. A utilização deste ficheiro é regulada nos termos da licença Creative Commons - Atribuição - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada

O calor já escaldava e fomos ao bar beber umas cervejas Mac-Mahon, a cerveja da garrafa verde e, de seguida, dirigimos-nos para junto do T-6 baleado que passou sobre o Niassa saudando os seus ocupantes. Lá estavam os buraquinhos das balas "turras" a dar-nos uma achega para o combate que se avizinhava. Mas ali e durante quatro dias estávamos em paz.

No dia seguinte, como não tínhamos que fazer, quatro malandrecos, resolvemos ir visitar as belas e famosas praias de Nacala. Estava calor e era preciso descobrir o caminho para a praia por entre matos e cajueiros. Um pretinho, puto com cerca de sete anos que andava infiltrado nos meandros da Força Aérea de Nacala, correu para mim e disse-me que sabia o caminho para a praia. Acreditei nele e aceitamos a oferta. Durante quatro dias ele foi nosso companheiro de caminhadas entre o AB5 e a praia, por trilhos de cajueiros e por entre passarada linda que eu nem sonhava que existisse. Para mim, dos mais lindos eram pretos e vermelhos e ainda hoje não sei o nome deles mas tentarei investigar. No seu seio, apareceu, sobre os cajueiros peneirando, um dos meus amigos falcões peneireiros, semelhante aos que me tinham acompanhado por Adrão, há mais de sete anos atrás.

Nunca fui amigo de praias e, além da Costa da Caparica, onde em 1961, conheci o mar pela primeira vez, a praia de Nacala também contribuiu para isso. Apanhei um escaldão que nunca mais esqueci. Todos os dias vinha uma chuvada e eu abusava dessa chuveirada dentro da água do mar, na zona baixa onde os tubarões não conseguiam penetrar. Naquela extensão de águas baixas, não havia tubarão que se aproximasse sem nós os avistarmos mas, quando caiam aquelas bátegas de água, toda a nossa visão era desfeita pelas covinhas originadas pelos grossos pingos da chuva a penetrar na água serena do mar.

Praia de Nacala, foto de Stig Nygaard, tirada da Wikipédia. This file is licensed under the Creative Commons Attribution 2.0 Genericlicense.

Um dia, o último dos quatro, na esperança de fugir ao escaldão, sentei-me fora da areia numas rochas junto de uma falésia, à sombra da falésia e das árvores frondosas que cresciam sobre ela. Na areia caminhavam o pretinho, os meus 3 amigos e três cães rafeiros da base que nunca nos largaram. Onde eu estiver e houver cães, andam sempre comigo. Os sete, caminhavam pela areia da praia, da minha frente para a minha esquerda e, já um pouco afastados à esquerda, quando voou das árvores da falésia, sobre a minha cabeça, vindo de alguns 10-15 metros de altura ou mais, aterrando na areia à minha frente, dirijindo-se para a água da baía, deixando um sulco na areia da praia, onde parecia que tinha passado um arado, como os de Adrão, na veiga, no mês de Maio. Aos meus gritos, os cães ainda o tentaram perseguir até à água mas, junto dela, terão pensado que ali era o mundo do animal e desistiram da tentativa. Dizia eu que era um grande lagarto verde ou se calhar, um jacaré pequeno.

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Iguana - Semelhante à minha iguana de Nacala

Mais tarde, nas minhas pesquisas, vim a saber que havia iguanas no Índico e, teoricamente, estava encontrado o animal que me voou sobre a cabeça, numa praia de Nacala. A "fotografia no meu cérebro" foi de tal ordem que ainda hoje vejo as rochas treparem pela falésia acima, as árvores e a provável iguana que vi da minha vertical até à água do mar. Ela fez um grande barulho ao saltar do meio das árvores que eu virei a cabeça e apanhei-a lá em cima, a alguns 10-15 metros da minha cabeça num autêntico voo rumo ao mar. Passou toda aquela zona de pedras onde eu me encontrava e aterrou em plena areia atravessando a areia da praia a grande velocidade.

Depois da grande chuvada e do respectivo duche, iniciamos a subida até ao AB5 e dirigi-me, mais uma vez, à Enfermaria para me tratarem da minha pele rosadinha a tostada, fazendo lembrar as cascas das bananas bravas que vim a conhecer mais tarde nas caçadas do Niassa.

Quando saí da Enfermaria fui caçado para me entregarem a Guia de Marcha para Nova Freixo e receber instruções para ir receber as rações de combate para a viagem de comboio, no dia seguinte, que seria cerca de 15-18 horas. Resolvi ficar-me nas tintas para as rações de combate pois, em tantas estações e pseudo-estações, sempre haveria de arranjar algo para comer, pensava eu.

É linda a gente de Moçambique. Em Moçambique, eu sentia-me no meio das minhas gentes. Uma foto de Steve Evans, tirada da Wikipédia. This file is licensed under the Creative Commons Attribution 2.0 Genericlicense.

Mas Nacala não fora só praia! O Nord-Atlas que chegara de Mueda (Terra da Guerra) e sobrevoara o navio Niassa tinha transportado de Mueda para Nacala, alguns "rufiões" da nossa gente, armados em heróis de "combates" sem fim que, durante a nossa estadia por ali, foram autênticos companheiros de jornada, cantando Mueda, Terra da Guerra ... e armando umas escaramuças com representantes demonstradores de fotos da Sofia Loren, um e da Gina Lollobrigida, outro. As fotos destas belas mulheres eram a flor do hibisco para os incautos a que a malta de Nacala renomeara de Sofia e Fedra. A "Sofia" e a "Fedra", abriam as portas dos armários forradas com as belas fotos daquelas estrelas do cinema. Técnicas! Técnicas que os sisudos e duros chegados de Mueda não gostaram e causaram alguns alvoroços. Mas enfim, na guerra há de tudo.

Chegara pois o momento de reiniciar mais uma caminhada na sondagem de outros mundos novos que se seguirá com essa célebre viagem Nacala-Nova Freixo. Iríamos caminhar no coração das gentes macuas.

Monte Muresse no Gurué. Caminhando na auto-motora, desde Nacala até à velha Nova Freixo (actual Cuamba) as belezas eram enormes, como esta do Gurué

Antes: Quatro Dias em Nacala

A seguir: 




O Ventor e a sua amiga cegonha, 1969, em Vila Cabral

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