Chegada a Lourenço Marques
Com a partida do meu amigo Apolo, rumo a Ocidente, o navio Niassa, devido às informações meteorológicas que lhes chegavam, foi obrigado a lançar âncora no Oceano Índico a poucas milhas da Baía do Espírito Santo que, estaria, segundo as informações da costa sul Moçambicana, num grande pandemónio. Ficamos por ali algum tempo que já não recordo mas foi entre duas a quatro horas, o tempo que durou a tempestade de monções que caiu sobre nós e, pelo menos, sobre o sul de Moçambique e parte da África do Sul. Por fim, lá pelo fim da tarde, foram dadas ordens para o navio Niassa avançar, pois a barra da entrada para a Baía do Espírito Santo estaria em condições de receber o Niassa e o seu recheio. Homens e carga.
Mapa de Moçambique, obtido pela NASA
Lá fomos nós, rumo à bela Baía com águas alouradas da intervenção do tridente do meu amigo Neptuno que tinha revolvido o areal para permitir a entrada do Ventor e da sua gente. A tempestade tinha sido forte e o acesso da Baía de Lourenço Marques ao Índico estava diluviano, embora o termo não se justifique que não seja pela cor das águas e alguma revolta que o tal Adamastor lhe incutiu, revoltando as águas, julgando, com isso, chatear o Ventor.
Imagem de satélite de Maputo (ex-Lourenço Marques) e da Baía do Espírito Santo
Dançando um pouco, na crista da onda, o navio Niassa afoitou-se ainda com dia, a entrar no estreito do acesso à Baía onde a ondulação das águas revoltas mais pareciam gestos de saudação daquele nicho de espaço, que tinha sido deteriorado pelo nosso irrequieto Adamastor que caminhou sempre à frente do Niassa para fazer uma espera no local onde o Ventor devia entrar em águas azuis e não em águas revoltas e sujas pela revolta do areal, lá por baixo. Tudo bem até o Niassa passar o centro da Baía. Depois, quando navegava preparando-se para seguir até ao molhe onde iria encostar, todos começamos a ouvir, uma de duas coisas: ou o navio Niassa a roçar no areal da baía ou o ronco do Adamastor todo chateado por não ter conseguido os seus intentos. As sereias a cantar, com som tão roncoso, não eram!
Aquele som diabólico vindo das profundezas da Baía metia o seu respeito. De repente e já de noite, apercebemos que não era o Adamastor mas sim o navio Niassa a gritar com o areal para se desviar do seu caminho. Mas o areal tinha sido encostado nessa ponta da Baía, pelos ventos monçónicos furiosos comandados pelo Adamastor, com cujo trabalho conseguiu encalhar o Niassa, mesmo nas barbas de dois navios mercantes soviéticos, no meio dos quais, o Niassa iria encostar.
Para mim, os navios mercantes soviéticos não eram surpresa porque sabia através de um amigo da Nazaré que trabalhava numa empresa inglesa de estiva, em Lourenço Marques e já me tinha dito que isso, por ali, era o pão nosso de cada dia. Mas a meu lado, vi alguns companheiros de caminhada estupefactos por esses navios não chegarem a Lisboa, salvo autorizações muito especiais, quando o rei fazia anos, mas ainda por cima, nós não tínhamos rei!
De repente, dois potentes rebocadores instalaram-se junto do navio Niassa e começaram a utilizar toda a força que tinham para retirar o Niassa de um banco de areias que o velho Adamastor mandou colocar naquele sítio pelos ventos monçónicos. Mas como isso não era suficiente, uma vos gritou: "todos os que couberem coloquem-se na proa do lado direito do barco para conseguirem concentrar peso nessa área e ajudar os rebocadores. Uma mole humana, como sardinhas em canastra, posicionou-se no local indicado e, com o nosso peso e a força dos rebocadores, o Niassa voltou a gemer. Por fim nos 10 minutos do dia seguinte, meia-noite e 10, julgo eu, ou 10 para a meia noite, não tenho a certeza se 10 minutos antes se 10 minutos depois, lá encostamos nós entre os dois carregueiros soviéticos.
Lourenço Marques - Av. Central, em 1905
A noite onde era esperado caminharmos pelas ruas da bela cidade de Lourenço Marques, acabamos por não sair pois tornara-se tarde para isso. A previsão da chegada com o atraso originado pela tempestade e a espera para o Niassa entrar na baía foi de horas. À hora do lanche ou, o mais tardar do jantar, deveria andar tudo a caminhar pelas avenidas de uma cidade que todos desejávamos conhecer.
A tormenta, se assim preferirmos chamar-lhe, durou horas e eu, que levava Lourenço Marques pintado no meu cérebro, não estava preparado para tanta espera. Quando comecei a ver a baía do Espírito Santo, faltava o meu amigo Apolo e as luzes que via eram as mesmas que conhecia por aqui. Pouco mais estaria no meu cérebro que o mapa e nem sequer tinha a opinião do Major Costa que, apesar de conhecer Lourenço Marques, ficara apaixonado por Luanda e pela sua Baía. Mas tinha outras opiniões!