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O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

O Ventor em África

Foi assim, em 1968, em Marrupa, no Niassa. Ficamos os dois frente a frente, envolvidos por um mundo dourado

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O Vexilóide de Alexandre Magno

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Marrupa 68: foi assim que ele me olhou


Na rota do meu amigo Apolo com o vexilóide de Alexandre Magno e o mreu Leopardo


Em áfrica, tudo é grande e belo. Podem ver aqui o meu menu africano



Um PV2. Havia destes no Niassa, em operação. Bom dia Tigres onde quer que estejam


Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!

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Ventor entre as Flores

21.05.06

Companheira de Guerra - A Especial


Quico e Ventor

A Especial! E para a Eternidade

A minha mãe.

Amigos sabem que o Ventor também chora! Um dia destes dei com ele a chorar. Verdade! Perguntei-lhe o que tinha e contou-me! Disse-me tudo isto:

«Às vezes penso, Quico! Penso que todos temos um pai ou uma mãe que se sacrificaram por nós. Todos ou quase, temos um pai e uma mãe que chorou por nós ou que choraram por nós! A minha mãe era uma flor e é assim que eu a recordo.

 

Era uma flor muito linda

Eu recordo-me do que me contavam e do que ainda me contam, desde que parti da minha terra aos 15 anos. Depois fui para a Força Aérea, depois para África e dizem-me que a minha mãe sempre chorou por mim.

Chorava em voz alta, todos os dias no meio dos carvalhos que eu deixei decotados e sempre que tocava em alguma coisa que eu deixei para trás.

Chorava quando apanhava as maçãs das macieiras que eu tinha enxertado.

Chorava a comer as boas peras dadas por pequenas pereiras que eu tinha enxertado em pereiros bravos.

Chorava quando eu lhe perguntava se as videiras americanas que eu tinha desembaraçado das silvas onde estavam atoladas e as pernadas que virei para cima do carvalho junto, e as pernadas que fiz passar sobre estacas de salgueiros que tinha enterrado no chão e pegaram, dando origem a uma latada viva que no primeiro ano, dizia-me ela, toda encantada, dera dois cestos de uvas.

Sempre me falava das minhas coisas, do jeito que eu tinha para a jardinagem, pois desde que me lembro de existir transformava sempre quaisquer cantinhos das nossas lavouras, em autênticos jardins.

Chorava quando eu lhe perguntava  pelos morangos com que lhe enchi uma horta que só dava couves, feijões e pouco mais, passando a dar, também, belos e saborosos morangos.

Chorava, quando já pela fraqueza da sua velhice, lhe dizia por carta ou telefone, o que deviam fazer, para esquecerem as vacas, as lavouras, as videiras, as pereiras, as macieiras, os pessegueiros, etç., tudo que eu também tinha deixado partilhando das suas vidas.

Chorava quando olhava a nossa tapada de matos com quatro lindas árvores grandes que, eu de sacho na mão, havia plantado. Uma delas, a minha canecipe, tinha sido plantada com as unhas e um esgaravato, num dia que não tinha sacho.

Um grande amigo meu, dos meus tempos de criança - um guarda florestal - pois eram todos meus amigos, sabia que eu gostava muito de canecipes e deu-me uma pequenina para plantar na tapada.

Deixa-a na nascente em terra húmida e quando poderes planta-a, pois ela crescerá contigo".

Local de sonhos

Eu deixei e, no dia seguinte, como tive de lá ir e não levei sacho, plantei-a com as ferramentas que Deus me deu, as unhas e um esgaravato. Ainda hoje, sempre que vou à minha terra, vou ver a minha canecipe - a canecipe do Ventor! Junto da minha canecipe, o meu castanheiro, o meu carvalho, o meu vidoeiro. Ali estão perenes e heróicos também porque vão, resistindo a pavorosos incêndios que volta e meia queimam todos os matos em volta, ficando elas ali, autênticas bandeiras, aguardando, ano após ano, que eu me rejubile com a sua heróica resistência e quando eu lhes toco no tronco, parece-me que falam comigo.

Ao lado delas, só resistem as salamandras amarelas e negras que, juntamente comigo, bebiam água na mesma nascente. Quando os fogos passam, elas metem-se na água e esperam que tudo se resolva. Da última vez, os matos estavam molhados e eu não deixei o carro na estrada para subir até elas mas, elas compreenderam e limitaram-se a dizer-me: "volta sempre Ventor. Tu és quem nos dá vida! Quando um dia deixares de regressar, nós não existiremos mais, pois as gentes, apenas olharão para nós como umas árvores.

Senti o apelo daquelas árvores, o seu choro que se juntou ao meu naquela pequenina bomba que continua a nos manter vivos. Eu penso que elas terão um élan divino que as faz esperar por mim, há quase meio século.

A minha irmã, que tinha levado ao Hospital de Ponte de Lima e, no regresso, lhe disse que queria ir pelo outro lado da serra para ver as minhas árvores, ficou com os olhos rasos de lágrimas e, quando parados na estrada, a olhar para os meus grandes monumentos vivos, disse-me: "muito chorou por ti a nossa mãe, em frente daquelas árvores!

 

Tenho um grande castanheiro que chora comigo

Chorava por ti em tudo que era sítio. Ela chorava e o cão uivava e eu só tinha ciúmes! Às vezes achava que não valia nada, nem sabia o que andava aqui a fazer". E abraçou-se a mim a dizer que ficaram magoadas, quando eu na brincadeira, dizia que, por mim, só chorou a Íris, minha madrinha de Guerra, que me acompanhou nas minhas venturas de guerra durante cerca de quatro anos.

E continuou: "mas tu já morreste e já renasceste. Eu sabia que toda a gente chorou por ti na América, devido ao telefonema atarantado da tia Sistela, que pensou que foras tu que morreste em vez do nosso Manel e, a tua madrinha ia morrendo aos gritos, pelo seu Ventor e, informaram as pessoas que tu tinhas morrido e assim foi passando de uns para outros, até o Carrasco recolocar as coisas no sítio. Era o nosso Manel que estava nas mãos de Deus e era por ti que toda a gente de Adrão, pelo mundo, chorava. Muitas pessoas me disseram logo que eu fui para a América que, sentiram, no meio da tristeza a alegria do engano.

Tu foste sempre o mais querido de nós os três, para todas as pessoas, apesar de teres sido um macaquinho para todos, toda a gente era tua amiga. Até sabias ser macaco!

Até posso ter sido macaco para muita gente, mas sei quanto eram meus amigos e também sei que, nenhum dos rapazes do meu tempo, fizeram por eles o que eu fiz. E, assim, não há macaco que não se safe! Também sei que muitos dos que muito me queriam já se foram e os que restam estão para ir. Apesar de tudo, ainda sinto o apelo de todos eles, os que estão e os que já se foram e que, do outro lado, nos esperam.

Tal como a minha mãe e o meu cão, eu sinto o apelo dos carvalhos e dos sobreiros, das imagens sagradas que habitam na minha retina, do chamamento da águia a caminho do ninho, nas fragas que se levantam nas profundezas do rio de Bordença e do voo do açor, quando ainda por lá andava na minha meninice.

Do apelo do gaio esvoaçando sobre os carvalhos e, do cheiro, daquele cheiro a terra que só em África me pareceu igual, nas manhãs húmidas e quentes - talvez fosse o cheiro da saudade!

Tenho na profundidade dos meus ouvidos, os gritos da minha mãe e o latir do meu cão, bem como o assobio de meu pai e o latido do cão, em querer desdobrar-se em metade dele para mim e a outra metade para querer ir caçar, mas só ia quando eu falava com ele a dizer-lhe que o dono esperava e que tinha de ir. Por isso, eu digo: "quem não tem uma mãe que não chore por si? Quem não tem uma mãe ou um pai que tanto sacrifício fazem ou fizeram por nós?

Eu tinha e ainda tenho, na saudade, a minha querida mãe que, no seu leito fúnebre, estava linda, um aspecto natural límpido, que mais parecia viva que morta!

Eu vi desfilar por diante dela, os amigos de todas as aldeias em volta e vi, da aldeia do meu pai, toda aquela gente inclinar-se perante a Teresa, a quem todos diziam: "adeus Teresa, até qualquer dia"!

Vi as pessoas a tentarem esconder de mim as ossadas de meu pai e o cinto quase novo que lhe prendia as calças que levou para o outro mundo.

Talvez aquele fosse o cinto que os iria amarrar para sempre. Ela foi sempre, Quico, a minha Companheira de Guerra e, sabia que junto de si, estava sempre o seu Ventor.




O Ventor e a sua amiga cegonha, 1969, em Vila Cabral